
Capítulo I - As babaquices de Merlin
— Espera, então você está dizendo que passou séculos andando pela Inglaterra como o babaca que você é enquanto eu estava morto? — perguntou Arthur e Merlin assentiu, com um sorriso bobo no rosto.
Emrys havia trazido seu rei até a areia e fizera um breve resumo sobre o que acontecera. Resumo este que fora ainda mais resumido pela fala de Arthur. De qualquer forma, ele estava feliz por seu rei estar de volta.
— E então, hoje, do nada, você sentiu que precisava vir até aqui? O dragão com nome estranho apareceu como um homem, falou que era hora, sumiu e depois eu apareci?
Merlin assentiu novamente.
— Você percebe o quanto tudo isso é absurdo mesmo no mundo que vivemos, Merlin? — perguntou Arthur como se estivesse falando com uma criança.
— Mas você também achou absurdo quando eu disse que tinha magia, não é? — inquiriu Merlin com um sorriso vitorioso no rosto.
Arthur somente bufou, ainda achando tudo aquilo estranho.
— E o que aconteceu com Camelot? Com o mundo, em suma?
— Não sou um livro de história ambulante, meu rei — respondeu Merlin e no minuto seguinte estava acariciando a face que se via com a marca de uma mão.
— Você tem sorte por eu estar de bom humor, Merlin. Agora, por favor, me leve para algum local em que eu possa me trocar e comer alguma coisa.
Merlin concordou e levantou-se, estendendo a mão para Arthur. À contra gosto, ele aceitou-a e também se levantou. Eles saíram de lá e foram até a estrada. Os dois sentaram-se no chão mesmo enquanto esperavam um carro passar — no caso de Arthur, um cavalo.
— Um cavalo vai mesmo passar por aqui? — Arthur perguntou.
Merlin mordeu os lábios, tentando não rir. Ele já estava acostumado àqueles tempos, afinal, acompanhava os acontecimentos em primeira mão. Mas Arthur, não.
— Um táxi, na verdade. Eles sempre passam por aqui — Merlin disse. Percebeu que o loiro ia falar alguma coisa, mas sua fala desapareceu quando um táxi passou na frente deles. Emrys prontamente se levantou e pegou o dinheiro que achava ser suficiente — que, graças a um feitiço, não tinha molhado quando ele entrou no lago.
Falou ao taxista seu endereço que ele concordou e fez um gesto para entrarem no carro. Merlin puxou a mão de um Arthur desnorteado e empurrou-o para dentro do automóvel. Agradeceu ao motorista e fechou o vidro que ficava entre os bancos da frente e os de trás.
— Dúvidas? — perguntou com um sorriso amarelo. Arthur fez uma expressão entediada e arqueou a sobrancelha. — Isso se chama carro, e eu não vou explicar o funcionamento dele porque na nossa época nem havia gasolina. Agora vamos para a minha casa e eu vou ver se alguma roupa cabe em você, ok? Prometo achar um livro de história também.
Arthur concordou e recostou-se no banco do carro. — Irei cochilar um pouco. Me avisa quando chegarmos. — Merlin balançou a cabeça em afirmativa enquanto o outro fechava os olhos.
O caminho de lá até a casa de Merlin não era curto. Provavelmente duraria uma hora se não houvesse trânsito, então o mago resolveu seguir o exemplo do seu rei e dormir também. Um minuto depois — para ele, obviamente — Merlin recebeu um cutucão no braço e acordou de súbito. Encarou para Arthur, que o olhava irritado.
— Por que você fez isso? — exclamou Merlin enquanto acariciava o braço. Ainda assim, ele estava feliz. Seu rei estava de volta e seu coração parecia que ia saltar do peito.
— Já chegamos, aparentemente. O senhor tá pedindo o dinheiro.
Merlin olhou para o taxista também irritado e deu um sorriso sem graça. Deu o quantia a ele e saiu do carro junto a Arthur. Este, obviamente, ficou maravilhado com a paisagem. Havia vários prédios altos nas localidades, apesar de não estarem no centro de Londres.
— Por que há tantos castelos aqui? E... eles são bem diferentes! — exclamou Arthur.
— Não são castelos, meu rei, são prédios. Edifícios altos em que vivem várias pessoas, cada uma em seu apartamento. Atualmente eu divido o meu apartamento com uma colega. Aquele ali, ó — falou Merlin e apontou para a janela de um dos prédios. O prédio em si era simples e, por isso, Merlin conseguiu um bom preço por ele.
— Hm, mas por que você vive com uma mulher? E a família dela? Os pais, o marido... eles deixaram?
— Arthur, aqui as mulheres não dependem de homens. Na verdade eu acho que elas nunca dependeram, até mesmo na nossa época houve mulheres fortes como Gwen, Morgana — disse e na mesma hora Arthur revirou os olhos —, Morgause... Bem, há vários exemplos. De qualquer forma, aqui elas são independentes. Lutam em guerras, tem altos cargos... Ainda há preconceito — machismo e sexismo —, claro, mas elas estão lutando e ganhando ainda mais seu espaço. Enfim, também não é considerado inapropriado um homem e uma mulher morarem juntos sem estarem casados. Somos só amigos e colegas.
Arthur afirmou com a cabeça, apesar de ainda achar estranho. Apesar de ser mente aberta e sua própria esposa ter ajudado em guerras e ter virado completamente a rainha de Camelot após a sua morte, imaginar mulheres equiparadas aos homens era estranho. Mas ele achava estranho, não errado. Sua Gwen era forte e, apesar de não querer admitir pela traição das duas, Morgana e Morgause também eram.
— Entendo. Agora podemos entrar? Eu realmente quero comer alguma coisa — enfatizou Arthur enquanto apontava para a sua barriga.
— Claro — disse Merlin. E, em seguida, num sussurro: — Espero que não fique gordo como antes.
O rei olhou-o mortalmente e o servo simplesmente riu. Sentia saudades daquelas pequenas coisas. Mas, no momento, era melhor servir Arthur para não apanhar. Então puxou-o para dentro do prédio. Entrou no elevador e apertou o número dois — seu andar.
— Espera, o que é isso? É magia? — perguntou Arthur.
— Não. É tecnologia. Isso se chama um elevador, ele vai de cima para baixo desde que você entre nele e aperte o botão do respectivo andar — explicou Merlin.
Arthur resmungou alguma coisa antes assustar-se com o barulho que o elevador fez ao abrir. Emrys, já sem paciência, puxou-o pela mão até o apartamento e abriu a porta. — Ora, é mais do que eu esperava — falou Arthur ao adentrar.
Tanto Merlin quanto Melissa não tinham muito dinheiro e não eram os melhores decoradores, mas o toque pessoal que eles davam deixava a casa linda. Casa, não, parecia mais um lar. Arthur sentiu-se acolhido naquele local, mais do que até mesmo em Camelot. De qualquer forma, o apartamento era simples. A cozinha era normal, assim dizendo, mas Arthur achou completamente diferente aquele fogão e a geladeira, as bancadas ele já conhecia. Quanto à sala, ela não era espaçosa, mas tudo parecia bem distribuído. Na parede norte havia uma televisão — obviamente o rei achou aquilo de outro mundo, mas ok — um sofá pequeno, de lado havia uma escrivaninha com um computador e uma pequena estante de livros. Enquanto isso, do lado de Arthur, estava a sala de jantar que... bem, só tinha uma mesa cheia de papéis.
Mas uma coisa chamou a atenção de Arthur, mais do que toda aquela tecnologia nova e estranha e aquelas obras — de pinturas a esculturas pequenas — vanguardistas: um quadro de um homem loiro puxando uma espada de uma pedra. De imediato percebeu que era ele tirando Excalibur. Sentiu saudades.
A época daquele quadro era no meio de um confronto, mas sim, ele sentiu saudades. Merlin, Gwen, seus cavaleiros... Estavam vivos, e bem. Sinceramente, até mesmo Arthur havia percebido a solidão estampada nos olhos de Merlin e ele também lembrava-se da tristeza em seu olhar na última batalha. Mas naquele tempo a tristeza e a solidão eram mínimas, bastando um sorriso de Arthur, as falas e risadas de Gwen e até mesmo o povo de Camelot para se dissiparem completamente.
Arthur olhou para o lado onde Merlin estava e sorriu. O servo sorriu de volta. Um sorriso verdadeiro e a tristeza dissipou-se dos dois.
Sentiam saudades daquele tempo, claro, mas era melhor aproveitar a felicidade que ainda restava. Eram amigos que não se viam há centenas de anos, afinal.
Num impulso Merlin jogou-se nos braços de Arthur e este de bom grado aceitou-o. Não eram de dar abraços — só às vezes, sabe como é —, mas era um reencontro, certo?
Mas então a barriga de Arthur roncou. Merlin, ainda nos braços dele, olhou-o. — Precisamos comer. E tomar banho.
Arthur ia dizer alguma coisa, mas então ele viu uma mulher morena olhando-os chocada, mas mesmo assim com um sorriso no rosto. Enquanto estavam abraçados acabaram não percebendo a entrada dela.
Melissa.
Emrys engoliu em seco. Lembrou-se do yaoi que Melissa tanto amava e sentiu medo do que ela diria. Porém, desarmando o mago, ela fez uma expressão de anjo e deu um sorriso inocente: — Ah, se vocês queriam se comer e tomar banho juntinhos era só me dizer. Devo voltar de noite ou só amanhã?
O queixo de Arthur caiu, Merlin ficou totalmente corado e Melissa sorriu amplamente.