
São sensações muito vagas estas nas quais me lembro. Primeiro, estava tudo muito escuro, um breu de fato. E só ao meu redor. Então, uma batida de eletrônica surge as minhas costas, me fazendo virar o corpo. Não sou alguém que participa de festas, mas…entrei. Por curiosidade.
Quando me dei conta, o som já ensurdecia meus ouvidos, e as pessoas dançando e se encostando ao meu redor faziam eu me eriçar feito um gato. Nunca gostei de lugares muito movimentados, então por quê vim? Agora, seria indelicado apenas sair do sobrado, então procurei ao menos comer algo durante minha estadia.
Estava na metade do caminho quando você me apareceu. Os lábios pintados de preto, que curvavam em um debochado sorriso no momento em que me viu. Clack, clack, clack– o salto que fazia você ficar inutilmente maior surpassava a música que, em contrapartida, parecia ter-se emudecido. Os braços cruzados abaixo dos seios, tanto na defensiva quanto para mostrar superioridade, inflamavam meu peito.
Quem é você para tentar me desafiar dessa maneira?
Provocações me eram proferidas, no intuito de me fazer cair e começar a desferir-lhe socos ali e agora. Me contive. Lembrei de uma frase, que até considerei entregar em dado momento a ti:
“Como pode? Da sua boca, ouço apenas sibilos em teu falar. És como uma cobra: por trás da beleza, escondes um caráter irreparável.”
Não sei porque considerei fazer-te bem. Se soubesse que, em retorno, me darias nada mais que flores mortas, eu NUNCA teria sido gentil com você.
O que mais me chocou, em retrospecto, foram as ações que se seguiram. Fosse pela minha falta de reação a suas ameaças, tive tempo apenas de ver suas mãos avançarem em meu pescoço, na intenção de me estrangular.
Segundos, poucos segundos foram necessários. Uni suas mãos abertas com as minhas, entrelaçando-as com força. Em um baque surdo, e como forma de proteção a mim, também, a joguei em uma parede próxima, com nossos corpos não-intencionalmente próximíssimos.
A música já não mais existia; muito menos as pessoas. Éramos só eu e você, castanho-escuro por baixo do claro, preto no vermelho. Seus dentes cerravam por não conseguir mover as mãos acima de sua cabeça, e um rosa leve surgia nas bochechas pálidas – o que me deixou surpresa. Era completamente fora de personagem você demonstrar-se vulnerável assim.
Enquanto eu, paralisada de vergonha, medo e raiva, apenas retribuía seu olhar mortal com outro, mais comedido. Nunca estive tão próxima de alguém; ainda mais desta forma, nessa cena que só podia ocorrer em filmes. Era estranhamente quente. O que só me causou mais bizarrice em relação aos meus sentimentos.
Eu não queria te machucar. E queria, simultâneamente. Você não faz parte da minha vida, mas, pelo modo como diz meu nome vez ou outra ao redor de seus lacaios, eu chego a pensar com arrogância que ainda pensa em mim.
Nossa relação é, de fato, mal-resolvida. Quebrada por uma discordância de moralidade entre o que eu achava certo e o que você achava certo. Mas sinceramente? Pouco me importa. Causar o mal na vida de alguém por benefício próprio é, certamente, mais arrogante que se achar mais maduro que a maioria de indivíduos de mesma idade.
Forço mais a distância entre nós duas, num misto de frustração e angústia. Suas pupilas retraem e, pela primeira vez, a vejo amedrontada. Sorrio numa mistura de prazer e loucura, sabendo que por dentro, também estou com medo da maldade dentro de mim.
Então, tudo escuresce. E eu acordo.